Em cada microcena dos vídeos de Julia Kater há um desejo sagaz de encarar o real e apreender as suas contradições inscritas no transcorrer de ações banais do cotidiano. Aproximando frases retiradas de enredos de filmes e da literatura, a artista introduz uma mulher que desloca de um lugar para outro uma pilha de pratos, repetidamente; ou um sujeito que insiste em cobrir uma superfície com tinta antes que as camadas anteriores sequem; além de uma pessoa anulando involuntariamente a presença de outra com a sua figura anônima. Todos produzem uma espécie de dilatação da percepção e do transcorrer do tempo, inscritos em simples gestos e ações. Seja pela colagem realizada por diferentes impressões fotográficas sobrepostas, que anuncia um céu que vela – a despeito de seu caráter invisível –, ou pelos vídeos que promovem o remanejo de um conjunto de ações e de frases, cada obra prioriza, à sua maneira, a elaboração de corpos de cenas corriqueiras que sugerem convívios simultâneos com a tenaz memória e com o embate que esta tem com o esquecimento, seu aliado e responsável pela perda paulatina de grande parte das verdades que definem a vida. A instalação No lugar que chegamos (2014) pensa o esquecimento como ferramenta capaz de reestruturar os limites da mobilidade, do afeto, da individualização e do desejo. Diante de situações de imprecisão sobre o que é ação e o que é inércia, que trazem à tona a complexidade sobre o ignorar e o conhecer, a artista retoma enunciados de alheios para cruzar com imagens especulares. Instaladas em confinantes caixas de madeira, os vídeos suscitam ideias como exclusão e falência no mesmo grau em que podem conviver com desfrutes extáticos ou isolamentos geradores de traumas irreparáveis. Isso tudo atrelado ao título da obra traz o público para o lugar das incertezas sobre os trajetos e as trajetórias que definem o modo como o desejo opera em cada indivíduo.
In every microscene of Julia Kater’s videos, there is a wise desire to face the real and to apprehend its contradictions inscribed in the occurrence of everyday actions. Approaching phrases taken from film screenplays and from literature, the artist introduces a woman who repeatedly moves a pile of dishes from one place to another; or a subject who insists on covering a surface with paint before the previous layers dry; as well as a person involuntarily annulling the presence of another with his anonymous figure. They all produce a sort of dilation of perception and of the passage of time, inscribed in simple gestures and actions. Whether by the collage brought about by different overlaid photographic prints, which announces a watchful sky – despite its invisible character – or by videos that bring about the rearrangement of a set of actions and phrases, each work in its own way prioritizes the elaboration of bodies from everyday scenes that suggest simultaneous shared experiences with the persistent memory together with its struggle with forgetfulness, its ally and the cause of the gradual loss of a large part of the truths that define life. The installation No lugar que chegamos (2014) considers forgetfulness as a tool able to restructure the limits of mobility, of feeling, of individualization and desire. In face of the situations of imprecision in regard to what is action and what is inertia, which shed light on the complexity about ignorance and knowledge, the artist revisits statements by others, crossing them with specular images. Installed in confining wooden boxes, the videos evoke ideas like exclusion and failure to the same degree that they can live with ecstatic pleasures or isolations that engender irreparable traumas. All of this, linked to the work’s title, brings the public to the place of uncertainties about the paths and directions that define how desire operates in each individual.